Tuesday 1 November 2011

Encontro O que é isso de Dança.


Voltando do Encontro O que é isso? de dança1 em Salvador, passei pelo aeroporto de Cofins em Belo Horizonte. No café bar do aeroporto, vi uma mesa azul cintilante num canto escuro ao lado da área das outras mesas (que eram da mesma altura da mesa azul, mas de forma quadrada). Na mesa azul estava escrito: mesa reservada para deficiêntes físicos. Depois de tantos debates sobre 'inclusão', aquela mesa ali na minha frente foi para mim um objeto concreto e representativo sobre o que tanto discutimos no encontro de Salvador: a exclusão pela inclusão! O encontro que se iniciou na sexta-feira 25 de novembro de 2011, foi aberto com a apresentação de Pequetitas Coisas Entre Nós Mesmos do Grupo X de Improvisação em Dança, trouxe Estela Laponi com seu Manifesto Anti-Inclusão2 e os Diálogos Cruzados com a participação de Estela, Fafá Daltro, Lenira Rengel e Edu O., que dividiram com o público as reflexões que começaram a perpassar o encontro.

Enquanto percebo a minha impossibilidade em comunicar por completo toda a complexidade de idéias e da experiência vivida no encontro, me lembro daquela mesa azul! Aquela mesa azul, por certo não incomodou a muitas outras pessoas que por ali passaram, porque ela é o senso comum. O senso comum da idéia de inclusão entendida no nosso meio, muitas vezes é unidirecional e excludente. É como aquela mesa, que estava cintilantemente gritando 'olha, aqui estamos cumprindo leis e reservando espaços para pessoas com deficiências' (físicas), mas que é mais uma fachada, do que solucionar realmente questões de acessibilidade. Como por exemplo, esta in-exclusão que se vê nos ônibus que colocam o símbolo da pessoa com deficiência (PcD) na porta, mas que na verdade tem dois acentos reservados onde, cadeirantes não entram! As questões que atravessam o tema inclusão são muitas. Em primeiro lugar este símbolo que todos usam, este vibrantemente representado na mesa azul, representa apenas uma parcela de PcDs. As PcDs são diversas, não são apenas deficiêntes físicos e nem apenas cadeirantes. Entender esta diversidade é algo muito mais complexo do que a idéia de inclusão que o senso comum vem trazendo. Esta idéia de inclusão exclui e perpetua o sentido falsificado que carrega. 
 
Olhar para aquela mesa azul, ainda me fez dar rizada, ao me imaginar no ridículo de estar sentada ali com amigos que recentemente eu tinha encontrado em Salvador e que são PcDs, como a Estela Lapponi, a Carol Teixeira, o Edu O. Imaginei que motivo teria para que eles sentassem naquela mesa (senão o motivo de tirar um sarro, claro!). A idéia sobre inclusão do senso comum fere um princípio básico que já foi definido na convenção da ONU sobre os direitos das PcDs e reinvindicado por tantos movimentos de ativistas na área da deficiência, o Modelo Social Sobre a Deficiência. O modelo social entende que 'a deficiência' não é uma falta do indivíduo com deficiência, mas sim uma falta social. Aquele café bar no aeroporto poderia ter na sua arquitetura toda a acessibilidade adequada para pessoas de todos os tipos, não só pessoas com deficiências, mas também crianças, idosos, pessoas altas e baixas, gordas e magras. Hoje o conceito de Desenho Universal desenvolve um design de produtos e serviços que possam atingir à maior diversidade de pessoas possível, por consequência, também ao maior número de pessoas possível. Pensar a partir do conceito de desenho universal3 é uma forma de abranger uma maior diversidade de pessoas na nossa construção social. Aquela mesa azul, entre outros tantos exemplos que se pode dar, estava apenas sinalizando o elefante branco que o senso comum tem entendido por inclusão! Esta idéia de inclusão entende que o problema 'da deficiência' é do 'outro' e não de uma construção social, que é de 'todos'. 
 
O 'problema da deficiência' é entendida no senso comum como um problema do 'outro'. O 'outro' que está sempre preso no esteriótipo da superação ou do ser pobrezinho, estranho, inapropriado. O 'outro' que também se auto coloca nestes mesmos papéis e perpetua a imagem destes esteriótipos. Enquanto estas questões continuarem a serem 'do outro', vamos estar presos em guetos e nos debatendo contra o 'fantasma da inclusão'. O Encontro O Que é Isso? de Dança, está na sua segunda edição, sendo que o primeiro aconteceu em setembro de 2010 com o nome de Encontro de Dança Inclusiva: O que é isso?. Como fazer com que este encontro seja cada vez mais de participação 'de todos' e não só 'do outro' é algo para ser trabalhado para a terceira edição. Como fazer com que artistas e produtores de forma geral se interessem mais em saber e se envolver em um encontro como este? Como também fazer para que estas questões não sejam exclusivas de encontros sobre estes temas específicos, mas sim, que estes temas também estejam presentes em muitos outros encontros e festivais de dança? Pois é, tive de demorar todo este tempo para eu poder frizar isto, mas o encontro de Salvador era um encontro de DANÇA! Inevitavelmente, para que a dança de todos aconteça, ainda muito tem de ser desmistificado sobre 'inclusão'!

 O encontro seguiu com a manhã de sábado do dia 26, que nos ofereceu duas propostas diversas de oficina, Estela Laponi e a sua pesquisa - O Corpo Intruso, e Ana Luiza Reis – O Corpo na Educação. O Cirandão feito pela tarde, trouxe o trabalho do Projeto Poéticas da Diferença / ACCDANA59 e os monitores do ACC, que é coordenado pela Prof. Fafá Daltro na UFBA. Tivemos em seguida a apresentação de As Borboletas – do núcleo VAGAPARA, um trabalho dos bailarinos Lucas Valentim e Thulio Guzman cujo processo criativo foi desenvolvido numa instiuição para deficiêntes intelectuais. A tarde seguiu com a mesa Espaços (in)acessíveis (Políticas Públicas), com os debatedores Lucas Valentim, Thulio Guzman, Marília Cavalcante e Carla Vendramin, e mediação de Carolina Teixeira. O dia terminou com a apresentação da performance Intento 3257,5 de Estela Laponi. Fomos apresentados à ZULEIKA BRIT, personagem de Estela , que também nos introduziu ao pensamento do Corpo Intruso. As performances de dança do encontro foram apresentadas com audiodescrição e tradução de libras. Muitos de nós, pessoas videntes, também experimentaram a audiodescrição feita por Ana Clara Santos Oliveira. A tradução de libras, feita por Irzyane Cazumbá, integrava-se de forma sensível e artisticamente construida nas performances em que estava presente. Os recursos de audiodescrição e tradução de libras estavam disponíveis não somente ao público de pessoas com impedimentos visuais e pessoas surdas, mas também ao público em geral. Estes recursos, como muitas vezes pudemos perceber nas performances apresentadas, podem ser elementos que também formatam artisticamente a performance, ao invés de ser simplesmente auxiliar à ela. Desta forma, estes recursos, além de propiciar a comunicação com um público específico, cria novas formatações e estéticas dos produtos culturais. 
  
A mesa Espaços (in)acessíveis (Políticas Públicas), foi de curta duração para o tamanho de assuntos surgidos. A inclusão está na moda! Na mesma semana do Encontro O que é isso ? de Dança, a presidenta Dilma Roussef havia anunciado sobre os investimentos que o país irá fazer para a inclusão de PcDs no trabalho e na educação. Mas a participação de PcDs na arte ainda não está 'na moda'! E o investimento em dança, esta na 'moda'? Em outubro de 2008 foi realizado a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de PcDs: Nada sobre Nós sem Nós. Em agosto deste ano surgiu o edital Albertina do Brasil, um edital específico à PcDs, para premiação de trabalhos já realizados, não o incentivo à criação de novos trabalhos. O edital trouxe vários problemas a serem discutidos. O mais fundamental de todos é que, se foi feito a oficina Nada Sobre Nós Sem Nós, porque pensar sobre editais que favoreçam a participação de PcDs não foi seguido de acordo com as definições que já haviam sido discutidas na oficina Nada Sobre Nós Sem Nós? As leis, os regulamentos, as cartilhas de direito, existem para tudo. Se elas fossem seguidas, muitas dos nossos problemas sociais estavam resolvidos! A efemeridade e ineficiência das ações enfraquece muito o desenvolvimento de mudanças consistentes. A oficina Nada Sobre Nós Sem Nós gastou recursos financeiros para que acontecesse, agregou pessoas da área cultural, pessoas com e sem deficiências, que investiram o seu tempo na elaboração de diretrizes para uma maior participação de PcDs na área cultural. Todo este esforço é para nada se depois ele não é levado adiante. 

No que se refere aos editais, a questão é delicada e traz discussões não só referente a participação de PcDs, mas também sobre editais de dança e produtos culturais em geral. É importante lembrar sobre a grande diversidade que existe de trabalhos de dança com a participação de PcDs. Existem artistas que são PcD, existem trabalhos diversos de dança feito com pessoas com e sem deficiências juntas, existem trabalhos de dança feitos para PcDs (geralmente em instiuições), existe a questão geral da educação em dança que se deveria ter na escola e em academias de dança e que também devem acontecer de forma a comtemplar a diversidade corporal das crianças. Portanto, pensar sobre uma formatação específica de editais para inclusão de PcDs não é muito simples, e pode cair na in-exclusão. Penso que artistas PcDs e grupos estabelecidos de bailarinos com habilidades mistas deveriam receber premiações de criação de trabalhos, prezando pela sua qualidade artística, em qualquer edital. É fato, que um certo desconhecimento sobre trabalhos feitos por PcDs, pela maioria das pessoas que fazem o processo de seleção dos editais, pode influenciar negativamente que estes artistas e grupos sejam comtemplados nos editais. É fato, que ainda existem paradigmas estéticos a serem mudados e que é preciso um maior conhecimento sobre a diversidade dos trabalhos onde há a participação de PcDs, para que se possa avaliar a qualidade dos trabalhos. Porém, em última análise, a avaliação destes trabalhos não seria diferente do que a avaliação dos elementos que constituem qualquer outro trabalho de dança. Porém outro fato é que, efetivamente, a dança feita por PcDs ainda não é muito praticada e que há uma necessidade de investimento nas áreas educacional e social para que se haja um maior fluxo de informações e proliferação de trabalhos. Como tudo na vida, nada pode ser generalizado! Há de se buscar, processar e desenvolver um conhecimento maior sobre todas estas questões, se queremos sair de um senso comum equivocado e construir um entendimento mais consistente.

O último dia do encontro, o domingo, foi bastante intenso! Iniciou com a minha oficina – Sincronicidade e Conectividade da Relação Corpo com o Espaço e do Corpo com Outros Corpos, e com a Oficina de Carolina Teixeira – Corpocena, oficina em movimento: percepção e autonomia criativa. Minha oficina introduziu o corpo no espaço e a relação com outros corpos com atividades de improvisação dentro da sala de aula. Carolina nos levou para rua, e finalizamos a manhã com a sua oficina em uma praça próximo ao Espaço Xisto, a Praça da Piedade. A praça era por si um micro-organismo refletindo o macro-organismo social, com seus frequentadores moradores da rua, contempladores sentados nos bancos, crianças tomando banho de chafaris e com um sabonete fazendo da borda do chafaris um escorregador, mães conversando num canto, roupas extendidas na cerca, uma tela de televisão no meio de uma bancada, um cachorro e um camaleão que se confrontavam (acreditem! sim, um camaleão mora naquela praça!), com os sinos das igrejas tocando melodias catóticas, milhares de pombos cagando das árvores, dois policiais que passaram numa marcha lenta e sutilmente pontuadora de um certo medo da sua presença, e todos os olhares e corpos populando a praça! Nossa sensibilidade inflou com o exercício de deixar-se afetar, ao invés de impor uma interferência artística de forma autoritária. Este foi um encontro, dentro do encontro O Que é Isso?, com as impossibilidades humanas, individuais e coletivas, que vão além do esteriótipo da deficiência. Um exercício sensível e doloroso de reflexão, que em pouco tempo nos trouxe tanto significado! 
 
O Cirandão da tarde trouxe as convidadas Ninfa Cunha e Ana Rita Ferraz, que apresentaram um trecho do seu trabalho, Projeto Perspectivas do Movimento. No Cirandão Nádia Francisco apresentou o trabalho que realiza em Aracaju, com aulas de balé para criancas cadeirantes e crianças sem deficiências juntas. Uma iniciativa inédita na sua região, que desafia conceitos estabelecidos sobre a estética e possibilidades do balé, e traz oportunidades para as crianças de desenvolverem esta dança juntas. O encontro foi finalizado com a apresentação de Edu O. de Judite Quer Chorar Mas Não Consegue, no Palacete das Artes Rodin Bahia, e após, com a mesa Discussões que Pertubam o Corpo (Representação Midiática), com os debatedores Edu O, Clara Trigo e Jefferson Beltrão, e mediação de Estela Laponi. Judite, de Edu O, fechou o encontro com sua delicadeza, sensibilidade e humor. Com um pouco de colo que, ao que parecia, era justamente o que estávamos precisando naquele momento! A mesa de discussões nos trouxe um pouco de frenesí por tratar de assuntos que nos evoca paixão e ao mesmo tempo incomformação. Que visibilidade e espaço a dança tem na mídia? Que imagem se tem perpetuado na mídia dos artistas PcDs? Que mecanismos ocorrem nos meios de comunicação, na educação do público, no que é popularizado, e nas ideías que o senso comum prolifera sobre a dança e sobre a imagem dos bailarinos? Pelo fato de a finalização do encontro ter sido ao ar livre, no espaço do Palacete das Artes Rodin Bahia, não só pessoas convidadas e pessoas do encontro participaram. Também participaram pessoas desavisadas que estavam passando por ali, ou talvez estavam ali inicialmente por outro motivo. Foi uma delícia ter finalizado o encontro assim, com este pequeno público, um pouco mais de todos e não só de outros!

1http://oqueeissodedanca.wordpress.com/
2http://zuleikabrit.blogspot.com/2011/11/manifesto-anti-inclusao.html
3Princípios do conceito de desenho universal: uso equitativo, flexibilidade no uso, uso simples e intuitivo, informação perceptível, tolerância ao erro, baixo esforço físico, tamanho e espaço para abordagem e utilização.

Vejam mais sobre o encontro e fotos no blog:



Em Salvador, recebi num pequeno vidro as Gotas Divinas de Dona Dinorah (mãe de Edu). Achei o máximo a idéia!
Então, já que tinho sido convidada para dançar no programa Dança Lá em Casa do Dança Alegre Alegrete, inventei de fazer "Gotas de Dança Contemporânea". Eu já havia planejado que iria levar algum objeto à casa em que eu iria dançar, daí as gotas de dança contemporânea foram perfeitas! E elas também fizeram uma pasagem entre os encontros de Salvador e Alegrete. Depois que Cláudia Muller fez dança por encomenda em casa, a idéia se reverberou! A proposta da Waleska Van Helden com o Dança Lá em Casa em Alegrete é, obviamente, diferente. Eu descobri a riqueza de apresentar uma dança nas casas, e esta foi uma experiência que me surpreendeu! Cada casa tem suas delicadezas, o universo de crenças, hábitos, valores, vivências e amores das pessoas que moram ali. Além disto, fazer uma dança especialmente em uma casa, para um determinado grupo de pessoas é algo bem especial e íntimo, é um acesso direto da dança com o público. Fiquei com vontade de mais, de descobrir outras casas e encontrar outras pessoas.








Depois daquela última corrida, me atirei na piscina!!

Em Alegrete também dancei no programa de intervenções urbanas, na Maria Fumaça. Um local onde eu havia dançado em 2003, e por isto foi super especial! 


A performance pontuava as marcas deixadas na Maria Fumaça... primeiro, sobre a indiferença, a desvalorização e o desreipeito que representavam as marcas ali colocadas por pessoas que deixaram seu nome em tinta branca, e que foi cuidadosamente repintado de preto durante a performance, numa tentativa de resgate. Na performance eu quis criar uma poética de traçados e trajetórias entre os elásticos e a Maria Fumaça, entre a interação da locomotiva na cidade no passado e no presente, e das vidas que ali desenrolam sua história.

                           Em 25 de agosto de 1903 se ouviu pela primeira vez o silvo da locomotiva, que inaugurava a trajetória da ferrovia entre Uruguaina e Porto Alegre, passando por Alegrete. O silvo da Maria Fumaça cortava a cidade com o seu som e anunciava uma nova era de progresso e de encontros, com a facilidade de transporte! Os festejos daquele dia duraram o dia inteiro, com bandas de música, desfile do 2º Batalhão de Engenharia e 30º Batalhão de Infantaria e champagne às pesssoas que ali se achavam no momento da inauguração.

                            O som do silvo da locomotiva ouvido pela primeira vez trazendo esperança, remete hoje à lembranças nostálgicas que também delineam trajetórias do presente. O festejo, a comemoração comunitária, marcaram um momento de alegria e satisfação do povo alegretence. A performance apresentada trouxe um pouco do significado destes elementos para nos fazer pensar, sentir e valorizar trajetórias, ancestralidade e a história que vivemos, também dando sentido e importância aos espaços e monumentos da cidade. A tensão dos elásticos trazia uma movimentação que podia ser fluida ou presa, as vezes impedindo e outras dando suporte para o movimento. Desta forma, a performance extendia suas analogias de vida a expressão dos paradoxos de beleza e feiura, alegria e tristeza, esperança e descaso, impedimento e resistência, assim, alcançando uma complexidade maior de significados.


fotos Fernanda Stein



















Vejam mais sobre o 23 Dança Alegre Alegrete no blog:

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